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Seminário Atual

SEMINÁRIOS ABERTOS
Antena do Campo Freudiano

2018-2019

10h-12h : Sonho e Sintoma
Responsável: José Martinho

12h-14h: Orvalho e Arco-Íris - Uma Leitura do Seminário XXIV de Jacques Lacan
Responsável: Filipe Pereirinha

Todas as quintas-feiras a partir de 4 de outubro 2018

Avenida da Liberdade, nº 157, Lisboa

José Martinho
ResponsávelJosé Martinho

SEMINÁRIO ABERTO 1 - SONHO E SINTOMA

Toda a gente sonha dia e noite. Mas há que desconfiar do que se sonha, pois pode haver um desejo contrário ao que a gente quer. Assim...

Toda a gente tem sintomas. Procura uma solução de compromisso entre a vontade e o desejo. No final de contas, as coisas não são como a gente quer. Há que saber-fazer com isso.

Bibliografia básica


FREUD, Sigmund. Die Traumdeutung (1900; 2010), Hamburg: NIKOL
LACAN, Jacques. Le Séminaire, livre XXIII, Le sinthome (1975-76; 2005). Paris: Seuil.

Filipe Pereirinha
ResponsávelFilipe Pereirinha

SEMINÁRIO ABERTO 2 - ORVALHO E ARCO-ÍRIS

Em certas manhãs o espetáculo é ostensivo: uma profusão gotas de água em filigrana cobrindo a superfície das coisas. Do ponto de vista científico, o orvalho, para o tratar pelo seu nome, não tem agora mistério: é um fenómeno físico que resulta da precipitação da humidade do ar, por condensação, na forma de gotas de água, devido à diminuição da temperatura ou em contacto com superfícies frias. É, por conseguinte, um processo contrário ao da evaporação. Ainda que faça sonhar, não há nele qualquer prodígio. Faz parte da natureza das coisas. É uma pura relação de causa e efeito. No seu frio rigor, a ciência desencantou a natureza e retirou-lhe as qualidades sobrenaturais. O mundo, contrariamente ao que dizia um velho filósofo pré-socrático, Tales de Mileto, já não está cheio de deuses, mesmo que por vezes, em certas manhãs, se cubra de gotas de água.
Pois bem, o que tem isto a ver com a psicanálise? Aparentemente, nada. É por isso estranho, no mínimo, que Lacan, a páginas tantas do seminário XXIV (1976-1977), fale deste fenómeno natural e a ele consagre inclusive algum tempo, quando, no contexto do que aí enuncia, nada o faz prever. Mesmo a contingência de ter descoberto recentemente um livro - Essai sur la rosée, de um tal William-Charles Wells – não torna a referência de Lacan mais evidente. Para complicar ainda mais as coisas, ele compara este fenómeno com outro, o arco-íris, dizendo não entender por que motivo este último recebeu tamanha atenção, nomeadamente por Descartes, enquanto o outro ficou na sombra até uns séculos mais tarde. E nem sequer ajuda acrescentar que Lacan sempre deu atenção aos fenómenos de superfície, uma vez que, por esta altura, o que vem sobretudo para a boca de cena é a topologia dos nós.
Lancemos, por isso, uma hipótese. É uma frase de Lacan: «As coisas podem legitimamente ser ditas saber como se comportar» (Cf. seminário 25, 9 maio 1978). Se há fenómenos como o orvalho - e é toda a maquinaria do universo que se exprime nestes salpicos de água - é porque as coisas sabem como se comportar, ou seja, há uma "estranha ordem das coisas", para usar o título do último livro de António Damásio, isto é, um saber no real. No fundo, a ciência consiste numa suposição básica, pelo menos desde Galileu: se podemos ler a natureza é porque ela está escrita numa certa linguagem que importa conhecer. É assim para os corpos acima e abaixo do sol. Todos os corpos, exceto, talvez, o corpo falante: para este alguma coisa não pára de não se escrever. A não ser, porventura, no inconsciente. Por isso, de Freud a Lacan, a hipótese do inconsciente, como um saber que não se sabe, é talvez um esforço para chegar a escrever numa outra cena o que não para de não se escrever nesta, ou seja, no livro da natureza.
Sendo assim, como entender o que diz Lacan logo no início do seminário XXIV: que este ano se trataria de ir para além do inconsciente (Cf. 16 novembro 1976)? Parece-me um bom descomeço, como diria Manoel de Barros. Com esta pergunta em mente, tentarei seguir os meandros deste importante seminário de Lacan, não sem deixar de fazer incursões em outros da mesma época, continuando desta forma a trilhar, por caminhos novos, um percurso que iniciei no ano passado: o último ensino de Lacan. Isto para bem nos orientarmos naquilo que, embora não sendo uma ciência, como repetia Lacan por estes anos, é uma prática que não pretende ser de charlatanaria. Se o que nós fazemos não é evidente, não é seguro em definitivo, não tem garantia vitalícia, não nos deixa dormir inteiramente descansados, merece, por isso, uma contínua, persistente e duradoura reflexão. E tal não é possível, porventura, sem um grão de entusiasmo, de poesia. Pois, se é verdade o que afirmava Lacan, que não era poeta mas poema, «o poema é o amor realizado do desejo que permanece desejo» (René Char). É um tal desejo o que me move. Que me irá mover, assim espero, todas as quintas-feiras. Estão convidados, desde que o desejo de iniciar, aprofundar ou continuar com Lacan vos (co)mova igualmente.

Bibliografia básica


LACAN, Jacques. Le Séminaire, livre XXIV, L´insu que sait de l´une-bévue s´aile à mourre (1976-77).